Luzia Dantas nas obras da Biblioteca Setorial Veríssimo de Melo
Foto: BSE-MCC
Por Cirlene Oliveira - Bibliotecária/Documentalista da BSE-MCC
Em fevereiro, comemoramos o nascimento de uma das maiores escultoras do estado do Rio Grande do Norte, Luzia Dantas (1937-2022), natural da cidade de São Vicente (RN).
A artesã tem sido muito pesquisada e suas peças ilustram diversas publicações da Biblioteca Setorial Veríssimo de Melo do Museu Câmara Cascudo (MCC). A seguir, serão elencados alguns títulos do acervo da Biblioteca do Museu, em que o trabalho da artista foi evidenciado.
Veríssimo de Melo, no capítulo “Três momentos da arte popular no Rio Grande do Norte” (1974, p. 25), descreve Luzia Dantas como uma “jovem, risonha, simples, humilde”. E sobre seu ofício afirma que “menina ainda, aos 10 anos de idade, já talhava bonequinhas de madeira para brincar. Das bonecas, já mocinha, evoluiu para fazer santos e tipos populares do Nordeste, carros-de-boi, cavalos, outros animais, cenas de casas-de-farinha e retirantes”. E acrescenta que “entre as madeiras, prefere a umburana para trabalhar. Seu instrumental se resume a canivete, sovela, escopo, serrote, lixa, facão e faca”.
Ainda segundo Veríssimo de Melo, em outra obra, “Xarias e canguleiros” (1968, p. 35), cujo texto aparece também em “Folclore brasileiro: R. G. do Norte” de 1977, Luzia Dantas é descrita como a “escultora popular de maior destaque. Muito jovem, já é nome conhecido e admirado por colecionadores dentro e fora do Estado”. O autor completa que Luzia é “minuciosa nos detalhes das peças que talha, - imagens de santos e tipos sertanejos, - seus trabalhos são bem acabados, lixados, revelando, ademais, gôsto elogiável pelos motivos regionais”.
Em outro momento, na obra “Artes plásticas do Rio Grande do Norte”, Veríssimo de Melo discorre sobre a arte de Luzia Dantas, destacando duas de suas principais peças: “São Jorge e o Dragão, medindo aproximadamente 30x20 centímetros. Os detalhes do planejamento, o bom acabamento, as proporções das figuras, tudo impressiona à primeira vista ao observador”. E “também outro conjunto bastante apreciado é o dos Retirantes, com o trabalhador do campo à frente, a enxada no ombro, a mulher grávida, as crianças, o jumento, o cachorro magro, o papagaio e o macaco” (Melo, 1989, p. 69).
Para o folclorista Deífilo Gurgel, no livro “Espaço tempo do folclore potiguar” (2008, p. 167), sobre o artesanato, ele cita as irmãs Luzia e Ana Dantas e menciona que são as “escultoras de santos e tipos característicos do Nordeste”, confirmando seu estilo de trabalho.
Iaperi Araújo, em “Elementos da arte popular” (1985, p. 51-52), relata que “Luzia Dantas grava, inconscientemente, na face dos seus santos, a figura dos Alves do município de São Vicente, convivendo quase toda sua vida, quase parede-e-meia com a família distante um grito do seu terreiro”.
Na obra “Caminhos da arte”, Hélio Oliveira, historiador, museólogo e restaurador, classifica a arte sacra no Rio Grande do Norte em três grandes grupos e inclui Luzia Dantas no terceiro, das “peças nem sempre adquiridas para suprir as necessidades devocionais, porém vistas como obras de arte ou souvenirs” (2001, p. 110). A escultura de Luzia Dantas ilustrada neste livro é a de São Miguel, que faz parte do acervo do Museu Câmara Cascudo.
O Governo do Rio Grande do Norte publicou, provavelmente no ano 2000, o livro “Mulher potiguar” e homenageia várias personalidades do estado, dentre elas, Luzia Dantas, mencionando que a mesma “já participou de dezenas de mostras coletivas pelo Brasil e tem peças em acervos nacionais e internacionais”. E ainda que “Luzia Dantas faz suas esculturas com a madeira da umburana, pequena árvore da caatinga. São peças que retratam tipos populares, casas de farinha, conjuntos de retirantes da seca, carros de boi e imagens sacras, preferencialmente Santa Luzia e São Francisco”.
No artigo de Gustavo Porpino sobre Acari (2004, p. 71), é possível constatar a influência de Luzia Dantas sobre outros escultores. Ambrósio Córdula afirmou que admirava as obras de Luzia e começou a se especializar em santos e oratórios.
Beth e Valfrido Lima escreveram uma belíssima obra sobre os artesãos brasileiros, cujo título é “Em nome do autor”. Sobre a artista potiguar, os autores trazem outra curiosidade: “Onde quer que vá, Luzia sempre leva com ela uns toquinhos de imburana e sua faquinha sempre afiada”. Ainda relatam que Luzia lhes contou que assistia à vaquejada, corridas de boi e cavalo e corria para sua casa para fazer o que via. A artesã confirmou o que alguns escritores falam sobre seu trabalho, que os detalhes são apreciados e feições familiares são utilizadas em suas peças (2008, p. 223). As esculturas expostas neste livro são: São Jorge, Cruzeiro, Vaquejada e São Miguel Arcanjo.
Obras de Luzia Dantas também integram o acervo do Museu de Folclore Edison Carneiro no Rio de Janeiro. Em publicação de 2005, sobre suas coleções, o museu apresenta peças da artista como Nossa Senhora do Ó, São Miguel Arcanjo e Retirantes. E acerca do trabalho da artesã afirma que “seus santos, figuras de gente ou de bicho são reproduções perfeitas, retratando cenas de retirantes, vaquejadas e o trabalho cotidiano nas casas de farinha” (2005, p. 91).
Em sua monografia de especialização sobre a história do Museu Câmara Cascudo, Jailma Santos (2010), restauradora do MCC, discorre sobre as peças de Luzia Dantas que fazem parte do acervo etnológico do museu.
A mestranda Nara Pessoa, em sua dissertação (2009) também sobre o MCC, elenca exposições realizadas no museu com peças da escultora potiguar.
No suplemento do Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Norte, “Nós, do RN”, Iaperi Araújo (2017) escreve sobre o “II Salão Dorian Gray de Arte Potiguar”, em comemoração aos 90 anos da resistência ao assalto dos cangaceiros de Lampião, que aconteceu em Mossoró e Natal e teve como uma das peças expostas a escultura em madeira de Santa Luzia, da artista Luzia Dantas.
O acervo da biblioteca do MCC conta também com dois catálogos de exposições de arte da coleção do Professor Antônio Marques Carvalho Júnior realizadas em Natal. A primeira foi de arte popular na Fundação José Augusto, em 2012, que expôs as peças Santana e Nossa Senhora da Conceição de Luzia Dantas. A segunda foi sobre santos e ex-votos no Centro de Turismo de Natal, em 2013 e, embora não especifique qual peça era da escultora potiguar, informa que: “Por trás do altar-mor, em pequenos nichos, encontram-se distribuídos harmoniosamente, santos esculpidos em madeira, assinados por Luzia Dantas, uma homenagem especial à artista” (2013, p. 17).
Algumas publicações fazem breves menções a Luzia Dantas quando referem-se ao artesanato potiguar como é o caso do autor Manoel Onofre Júnior, na obra “Breviário da cidade do Natal”, e também “Guia da cidade do Natal”, sendo a mesma obra com alteração no título a partir da 3ª edição e atualizações.
O Museu do Seridó da UFRN também menciona, de forma breve, Luzia Dantas na publicação “Seridó, terra nossa de cada dia” (2008, p. 15).
O Professor Jairo José Campos da Costa, fundador do Museu de Cultura Popular de Francisco Dantas (RN) apresenta sua coleção particular que inclui a peça Nossa Senhora das Graças de Luzia Dantas (2021, p. 130).
Na 6ª edição da Coleção “Dez mulheres potiguares” da Casa do Cordel, Luzia Dantas foi uma das homenageadas, com sua vida e seu trabalho contados em literatura de cordel por Eva Salustino com xilogravura na capa feita por Célia Albuquerque.
Outro título muito importante para pesquisadores de arte popular no RN é “Pau e Pedra: o Seridó esculpido por Luzia Dantas e Dimas Ferreira” do autor Armando Prazeres (2013, p. 26), o qual descreve que nas peças de Luzia Dantas “há traços característicos de um temporalidade regional, mas há ao mesmo tempo camadas de uma percepção que não encontra limites espaciais para serem apreendidas, pois falam diretamente à alma”.
Luzia Dantas continuará sendo pesquisada por muitos anos, com toda certeza, pois seu legado foi deixado e os acervos de bibliotecas e museus servirão para mostrar sua história e seu belíssimo trabalho que tanto enriquece a arte popular do Rio Grande do Norte.
REFERÊNCIAS
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