Nós usamos cookies para melhorar sua experiência de navegação no portal. Ao utilizar o Portal do Sistema de Bibliotecas da UFRN, você concorda com a política de monitoramento de cookies. Para ter mais informações sobre como isso é feito e como remover, acessePolítica de cookies. Para saber como a UFRN trata os dados, acesse aPolítica de Privacidade. Se você concorda, clique em "Ciente".

Pesquisador do Deart realiza pesquisa comparada sobre teatro com bonecos

Portal da UFRN

Por Agecom/UFRN

Lançado em janeiro deste ano por André Carrico, professor do Departamento de Artes (DEART) da UFRN, o livro Teatro de bonecos popular potiguar (Editora Escribas) reúne a história de 11 brincantes que trabalham com a arte dos mamulengos no RN. A obra, fruto de uma pesquisa de oito anos, está disponível na loja da Escribos Editora. Atualmente, Carrico está dando continuidade à sua pesquisa na Itália, onde estuda a relação entre a arte com bonecos desenvolvida aqui e no país europeu.


A tradição com teatro de bonecos teve um grande apelo da cultura popular nordestina, ao longo da história do Brasil. Foto: Cícero Oliveira/Agecom.


Os bonecos ganharam uma forte tradição no Brasil, especialmente no Nordeste, no contexto da colonização. “Uma das hipóteses para a origem desse teatro no Brasil é sua utilização pelos jesuítas no processo de catequese, a partir do século XVI. Entretanto, diversos elementos das culturas ameríndias e africanas foram incorporados a esse teatro, tornando-o único. Com o tempo, as características profanas da brincadeira, como o deboche e a sátira, suplantaram essa dimensão religiosa e passaram a constituir parte preponderante do gênero”, explica Carrico, que também é professor de teatro, ator e pesquisador em teatro de bonecos.


À época, esses primeiros bonecos eram usados como instrumentos pedagógicos, de acordo com Carrico. “A Itália tem uma tradição formal, com uma estrutura de cultura clássica enraizada há séculos. Os bonecos, na verdade, são bem mais antigos e remontam a diferentes influências que vêm desde os romanos e gregos, até civilizações anteriores.” Hoje, ele estuda o tema na Università di Bologna.


Durante mais de quatro séculos, os bonecos foram ganhando outros tipos de instrumentalização: luvas, varetas e mamulengos de vestir são algumas das variedades que surgiram. Traços ameríndios e referências africanas também complementam a estética dos bonecos. Dessa forma, a prática com os bonecos passou a criar intersecções entre as diferentes culturas de cada um dos estados do nordeste, resultando numa gama diversa e própria a cada unidade federativa da região. 


A contestação social também é uma marca no teatro dei burattini. Foto: André Carrico/Reprodução. 


“No caso dos bonecos de luva que eu pesquiso, os burattini, da região da Emilia Romagna [norte da Itália], sua tradição específica se desenvolveu a partir do século 16 em cima de práticas com teatro de bonecos que remontam à Idade Média”, explica o pesquisador. A prática promovia o entretenimento para atrair a clientela para comerciantes da região. 


A variedade de histórias e culturas gerou léxicos diferentes para os bonecos. Em Pernambuco, seu nome mais comum é mamulengo; no Rio Grande do Norte, é conhecido como joão redondo; em outros estados, recebe o nome de babau, cassimiro coco, calunga, entre tantas outras denominações. No entanto, há um traço em comum: as histórias, em geral, apresentam esquetes com personagens da população marginalizada ou criaturas fantásticas, buscando trazer diversão e humor a cada narrativa teatralizada com os bonecos. Ao mesmo tempo, esses enredos também reproduziam aspectos da cultura machista e racista, presentes em algumas das piadas e histórias contadas.


Para mudar esse cenário, Carrico conta que uma bonequeira nascida em Carnaúba dos Dantas se mostrou interessada em criar um novo paradigma. Evitando palavrões e abordando temas sociais importantes, como o combate à violência contra a mulher, Maria Iêda Silva Medeiros (1938–2021), conhecida como Dadi, elaborou peças que discutiam essas questões, sem perder a leveza e a graça marcante dos brincantes. 


Linguagem é um dos traços comuns entre o teatro de bonecos nordestino no Brasil e a prática registrada na Itália. Foto: André Carrico/Reprodução. 


Na Europa, esse intuito também ganhou palco com os burattini. “Há no teatro dei burattini muitos aspectos de contestação social, uma vez que sempre apresenta, em suas histórias e personagens, situações conflituosas entre trabalhadores e poderosos, a partir do ponto de vista do povo”, explica Carrico.


A relação entre o teatro potiguar e o dos burattini se manifesta na proximidade com a linguagem e os costumes de comunidades tradicionais. “Além da tipificação de personagens, com nomes diferentes, mas as mesmas funções dramáticas, como o professor pedante, o diabo, a bruxa, a morte etc, há, nos dois casos, uma forte vinculação com uma comunidade de origem, tanto na forma como retratam os costumes quanto na linguagem: falado em dialeto, por lá; e com muitas gírias e sintaxe nordestinas, no nosso caso. Ambos utilizam bonecos de madeira, esculpidos geralmente pelo próprio manipulador”, afirma Carrico. 


Texto: Jefferson Tafarel; Edição: Vilma Torres; Revisão: Beatriz de Azevedo.